sábado, 5 de janeiro de 2013

Diretor Caco Souza fala do filme que levará dupla pro cinema

É necessária certa dose de insistência para arrancar detalhes de Caco Souza. O diretor paulista, autor do elogiado ‘400 Contra 1: Uma História do Crime Organizado’, sobre as origens do Comando Vermelho, tenta ser econômico nos detalhes quando fala sobre o segundo longa de ficção, ‘Isso é Calypso’, que levará às telas a trajetória de Joelma e Chimbinha. “Não quero estragar a surpresa”, desconversa, entre risos.

Já se vão três anos desde que o cineasta decidiu contar esta história. A vontade veio durante um show da dupla em Sergipe, quando ele viu o casal colocar em uma espécie de transe uma plateia de quase 40 mil pessoas. “Foi só em 2009 que ‘encontrei’ a história da banda Calypso. Nunca tinha assistido a nenhum show deles e fiquei impressionado. Estávamos em Aracaju e a sensação é de que os fãs eram da família, tamanha a proximidade entre artistas e público”, lembra. “Joelma e Chimbinha quebraram o paradigma da música brasileira, lá atrás, há 13 anos. A história da banda e desses dois seres humanos é muito fascinante, pela possibilidade de superação. Me encantou e vai encantar as pessoas”.

A relação entre o casal de músicos e o cineasta vem rendendo frutos que extrapolam a produção do filme, como os videoclipes de ‘Me beije agora’ e ‘Perdiste el trono’ – faixa que integra um disco em espanhol com lançamento previsto para 2013 -, que Caco dirigiu no início de dezembro. “Eu estava louco para fazer um clipe da banda e ‘me ofereci’ para eles”, brinca. Os atores Brendha Haddad (na TV em ‘Salve Jorge’) e Rafael Sola participam dos vídeos, que herdaram também toda a equipe de câmera que fará ‘Isso é Calypso’, sob a batuta de Rodolfo Sanchez, diretor de fotografia argentino radicado em São Paulo.

Na última viagem ao Pará, em novembro, a produção de ‘Isso é Calypso’ definiu as locações: a maior parte do filme será rodada em Belém e arredores. A infância de Joelma e Chimbinha, tal como na vida real, terá como cenário os municípios de Almeirim e Oeiras do Pará, respectivamente. Também haverá locações em Bragança. As filmagens iniciam em junho e se estenderão a Pernambuco e Rio de Janeiro. A direção musical ficará a cargo do próprio Chimbinha.

O filme, orçado em R$ 7,5 milhões, tem Deborah Secco no papel de Joelma - mas isso todo mundo já sabe. O que Caco antecipa, com exclusividade ao VOCÊ, é que Daniela Escobar e Paulo Thifenthaler – aquele mesmo, do site ‘Larica Total’ – também estão confirmados no elenco. Ele interpretará um empresário picareta. Ela, a mãe da cantora. “Daniela é uma ‘senhora’ atriz. Provou isso no ‘400’, quando mudou completamente os tipos que fazia para encarar uma mulher de presidiário e surpreendeu a todos pela entrega e pelo resultado. Já o Paulo tem um sarcasmo, um biotipo fantástico para um empresário salafrário”, diverte-se. Confira a seguir o bate-papo com o diretor, que também prepara-se para mostrar ao Brasil a trajetória de Gabriela Leite, ex-prostituta fundadora da grife Daspu, no filme ‘Filha, Mãe, Avó e Puta’.

“Quero que o paraense se identifique, veja verdade quando estiver diante da tela”

P: Como e quando aconteceu esse estalo - querer transformar em filme a trajetória de Joelma e Chimbinha? O que o instigou? Você já conhecia o som da dupla?

R: Conheço o Pará desde 1995, quando fiz documentários sobre comunidades quilombolas em Trombetas. Mas “encontrei” a história da banda Calypso só em 2009. Nunca tinha assistido a nenhum show deles. Fiquei impressionado. Estávamos em Aracaju e a impressão é de que os fãs eram da família, tamanha a proximidade entre artistas e público. Isso me chamou muito a atenção. Eram 40 mil pessoas, eu nunca tinha visto nada parecido. Em 2010 comecei a articular o filme. Cada vez mais encantado pela história, vi que ela daria um longa maravilhoso. A história deles dois tem todos os ingredientes para se tornar uma bela história de cinema.



P: E como se deu o processo de pesquisa? Aliás, em que fase está a produção?

R: Olha, eles dois são colaboradores incríveis. Assinamos o contrato e eles são, desde o começo, parceiros valiosos, sinceros. Já estamos no 3º tratamento do roteiro e definindo locações. Uma das dificuldades de filmar no Pará diz respeito às grandes distâncias. A maior parte do filme vai ser rodada em Belém, mas também vamos filmar em Almeirim e Oeiras do Pará, cidades de Joelma e Chimbinha, respectivamente. No final de outubro estive em Belém durante uma semana, procurando locações. Meu assistente de direção, Célio Cavalcante Filho, é paraense, está conosco desde julho e também está ajudando nesta empreitada. Sem contar a direção de arte, que é da Vera Hamburguer, de ‘Brincando nos Campos do Senhor’.



P: Como pretende trabalhar os dramas familiares que permeiam as trajetórias individuais, como a ausência do pai de Joelma durante toda a infância?

R: Como falei, os dois foram incríveis, se abriram, não se negaram a nada, conversamos sobre tudo mesmo. Apesar de ser uma ficção, temos dados suficientes para a construção de um roteiro bacana, bem fiel à trajetória deles. Mas, claro, não dá pra contar duas vidas inteiras em 90 minutos. Vamos tentar mostrar passagens importantes da história da banda. Não vou falar muito desses detalhes pra não estragar a surpresa, mas sei que o filme vai emocionar [risos].



P: O que mais lhe chamou atenção na trajetória do casal, desde o começo em Almeirim, no oeste paraense? Os dois começaram muito jovens...

R: Os dois vieram do interior do Pará. A cena musical do Estado não estava tão evidente, como hoje. Há 13 anos, a possibilidade de uma banda de lá fazer sucesso, alcançar a visibilidade que alcançou, era muito remota. Até a locomoção para a capital era difícil naquela época, dois dias de barco. Joelma e Chimbinha são pessoas muito humildes que conseguiram mudar sua história de vida. E tudo porque são apaixonados pelo que fazem, não estavam ‘aproveitando uma moda’. Pelo contrário, eles é que criaram a moda. Do ponto de vista do cenário musical, o eixo era Rio e São Paulo. Os caras conseguiram inverter essa lógica. Quebraram o paradigma da música brasileira, isso lá atrás, há 13 anos. A história da banda e desses dois seres humanos é muito fascinante, pela possibilidade de superação. Me encantou e vai encantar as pessoas.



P: E em que fase está a produção? Além de Deborah Secco, que fará Joelma, há mais nomes fechados para o elenco?

R: Só a Deborah está com o contrato assinado. Ela filma até junho a série de TV ‘Louco por Elas’, então fechamos o cronograma segundo a agenda dela. Este mês jantamos juntos na casa de Chimbinha e Joelma em São Paulo e também fomos a um show deles na Barra, no Rio de Janeiro. Já é o começo do laboratório. As filmagens começam entre junho e julho de 2013. Quanto ao Chimbinha, ainda estamos buscando um ator, estudando quatro nomes. Mas vamos evitar especulações, prefiro falar sobre isso quando estivermos com o contrato assinado. Você viu o que aconteceu recentemente com a Deborah, um burburinho de que ela tinha desistido do filme? Não era verdade. Mas isso cansa e atrapalha todo o processo.



P: E porque a Deborah?

R: A Deborah tem uma coisa sensacional como atriz, ela se joga na personagem, se entrega completamente, e acho que ela vai fazer uma Joelma maravilhosa. Ela tem recursos técnicos para isso, né? É uma baita atriz.



P: ‘400 Contra 1’ é marcado pela atuação naturalista, a câmera na mão, a atmosfera que remete ao documental. Como você visualiza estilisticamente ‘Isso é Calypso!’?

R: Essa coisa do realismo é importante. Não quero uma visão mentirosa, falsa, do cotidiano. Quero beber nos detalhes, mergulhar nos costumes, pra não ficar uma coisa estranha, fake. Quero que o paraense se identifique, veja verdade quando estiver sentado na poltrona do cinema. Quero que ele veja seu Estado retratado de maneira bonita, real. Por isso é que é tão importante pra mim ter grande parte do elenco de apoio e equipe técnica formada por profissionais locais. Conheço muita gente boa aí [em Belém], sei que funciona. E outra coisa: ninguém entende melhor de um Estado do que quem mora nele. Essa troca de costumes, de experiências, isso é muito importante.



P: Sua trajetória na ficção mostra um fascínio por histórias polêmicas, marcantes – além de William da Silva Lima em ‘400 Contra 1’, há a Gabriela Leite, em ‘Filha mãe avó e puta’. O que o instiga como cineasta?

R: O que me move é a minha curiosidade. Quando fiz o ‘400’ já tinha feito docs sobre o sistema carcerário, esse universo de isolamento. Tenho 51 anos e percebo que, como cineasta, sempre quero saber tudo, mergulhar no universo da pessoa pra tentar entender tudo. Depois a gente filtra o que entra ou não no filme. O longa sobre a Gabriela é mais que a história de uma prostituta. É uma pegada libertária, aquela coisa da ‘puta assumida’. Ali não existe culpa, foi uma opção de vida. Não existe justificativa, motivo. Foi uma escolha, pronto. E é muito ‘do car*lho’ poder participar disso, essa imersão na vida de alguém, contar essa história. O cinema me possibilita essas coisas. Com a Joelma e o Chimbinha também foi assim. Em Aracaju, lá em 2009, senti uma coisa diferente. Aquele incômodo: “preciso saber”. Fui até Almeirim, Oeiras. Estive com amigas da Joelma, os caras que tocaram viola com o Chimbinha. São vidas que não me pertencem, preciso conhecê-las, mergulhar nelas. Em janeiro volto ao Pará de novo.

(Amanda Aguiar/Diário do Pará)

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