quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Reportagem sobre periferia cita Banda Calypso

Por Alexandre Figueiredo

"Moço, eu quero uma dentadura nova, dessas que colam na boca. Sou banguela e sinto muita dor aqui, onde não tem dentes", diz um trabalhador banguela para um antropólogo. Este logo responde:

- Alto lá, meu senhor. Vá primeiro fazer seu espetáculo, fale qualquer coisa, "dandá pra ganhá tentem", e depois a gente pensa se vai investir num implante dentário pro senhor".

"Moço, sou idoso, aposentado, quero ter qualidade de vida. Quero viajar, ler livros, conhecer novos amigos", diz um idoso trabalhador para um sociólogo.

- Não, meu senhor. - responde este. - O senhor tem que ficar no bar, bebendo, vendo jogo de futebol, ouvindo brega no jukebox. Pode até jogar baralho, entre uma pinga e outra. Mas se quiser uma "mulher boa", pode me dizer.

"Meu amigo, eu não sei fazer música. Canto muito mal, não tenho futuro e nem sei se a fama é um bom negócio para mim. Prefiro não arriscar, eu quero ser eletricista e viver minha vida", diz um jovem suburbano para um crítico musical.

- Nada disso! - diz este. - Você tem que fazer parte do espetáculo. Faça suas bobagens como puder, nos seus cinco primeiros anos, e, quando ficar rico e famoso, a gente faz um trainée para você e você vai fazer MPB igualzinho aqueles "bacanas" que tocam para gente rica. Nem precisa criar muito, você grava seus DVDs ao vivo, enche de covers e aí eu divulgo você como se fosse um artista injustiçado.

Sim, a periferia, infelizmente, tornou-se um brinquedo da intelectualidade "influente". Os subúrbios, roças e sertões, incluindo as favelas, são reduzidos ao playground do "deus mercado", um "mercado" que é dado como morto apenas para não assustar a "garotada".

Para essa intelectualidade, não existe o drama de Pinheirinho. Esses intelectuais tentam dizer que os pobres "são felizes no seu sofrimento", como quem "se alegra até na dor". Para eles, interessa apenas defender a música brega e seus derivados, sobretudo o tecnobrega e o "funk carioca", a pretexto de "defender" o que entendem como "movimentos sociais".

No entanto, eles defendem mesmo é o mesmo mercado que juram estar agonizando. E que, no fundo, esses intelectuais lutam para realimentá-lo com tendências e ídolos supostamente "independentes".

Isso foi claro com o tecnobrega, que tido como "discriminado pela mídia", foi cortejado por tudo que for a velha grande mídia, O Globo, Rede Globo, Folha de São Paulo, Estadão e até Veja. Alguma dúvida? Junte a palavra "tecnobrega" com a de algum desses veículos na busca do Google que sempre vai aparecer algum linque do estilo dentro de um veículo desses.

E o "funk carioca"? Mr. Catra ainda era tido como "sem mídia" quando entrava no Projac pelas portas da frente. Talvez nem precisasse se apresentar à portaria, o porteiro deve estar familiarizado. E a Banda Calypso, abraçada até a Marcelo Madureira? Mera coincidência? Não, nada disso.

Parece que até existe uma manobra para o ídolo brega-popularesco "desaparecer" na mídia. Se, numa determinada época, ele aparece na Rede Globo, para milhões de espectadores, na temporada seguinte ele tem que aparecer na Rede Record. Um passo para ele dizer que "está meio fora da mídia". Na temporada seguinte, ele pode simplesmente fazer uma apresentação no próximo Recbeat e, pronto, ele agora pode dizer que "a mídia não dá bola para ele".

"VIOLAÇÃO" DE TÚMULOS PARA REFORÇAR "TESES"

E a intelectualidade faz a maior propaganda. Quer dizer, travestida em técnicas mais avançadas do discurso intelectual, como o New Journalism e a História das Mentalidades. E a intelectualidade não mede escrúpulos para fazer sua "violação" nos túmulos alheios, para usar antigos artistas e intelectuais para "assinar embaixo" nas suas teses pró-brega.

Dessa forma, Oswald de Andrade é usado geralmente para "desmentir" a "americanização" de vários ritmos brega-popularescos, e o poeta modernista não está mais aqui para reclamar da interpretação deturpada de suas ideias.

Por outro lado, o poeta baiano Gregório de Matos, o "Boca do Inferno", é usado para "justificar" as baixarias que hoje se comete no "pagodão" baiano ou no "funk carioca". Também não está aqui para intervir nas deturpações de sua sátira poética, que não podem, evidentemente, serem confundidas com a baixaria gratuita do brega-popularesco mais rasteiro, que nada têm de sátira, a não ser a própria deturpação mercadológica da imagem de povo pobre.

Mas outras apropriações são feitas. De Lupicínio Rodrigues a Itamar Assumpção, passando até mesmo por Raul Seixas, os mortos são usados pela intelectualidade etnocêntrica, que, insatisfeita com seu poder de influência na opinião pública - que chega aos níveis preocupantes de "endeusamento" - , quer que os mortos "falem" para eles, "defendam" visões que os mesmos mortos, se vivos fossem, reprovariam energicamente.

Tudo isso é feito para alimentar o mercadão do brega-popularesco. Que nada tem de independente nem de alternativo, isso é lorota de intelectual neocon metido a progressista. O que eles querem é usar esses rótulos como desculpa para realimentar o mercadão dominante daquilo que entendem como "cultura popular", aquela que transforma o povo pobre numa caricatura de si mesmo, num estereótipo.

Afinal, é um mercado milionário, que movimenta uma fortuna imensa, e que, por essas razões, nem de longe representa a "cultura das periferias". Seus empresários - tidos como "pobrezinhos", "coitados" - são muito mais ricos do que qualquer "aristocrata" da MPB do Biscoito Fino, mas como eles lidam com as "periferias", seu poderio, que se equipara explicitamente ao de uma grande mídia regional, pouco importa para essa intelectualidade.

Enquanto isso, o povo pobre é reduzido a meros bobos-da-corte da intelectualidade dominante. E que adianta lhes oferecer o microfone aberto, se a mesma intelectualidade tirou desse povo a consciência crítica de suas vidas?

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